Por que queremos o fim das Comunidades Terapêuticas?

Por que queremos o fim das Comunidades Terapêuticas?

De instituições que acolham pessoas em sofrimento psíquico, espera-se um tratamento humanizado, em liberdade e com profissionais qualificados. Mas, não é isso que se costuma encontrar nas Comunidades Terapêuticas (CTs). No ano de 2017, em uma inspeção nacional realizada pelo Conselho Federal de Psicologia (CFP), pelo Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura (MNPCT) e pela Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão, do Ministério Público Federal (PFDC/MPF), em 28 CTs espalhadas pelo Brasil, foram encontradas práticas que violavam os direitos humanos em TODAS elas.

O relatório desta inspeção mostrou que a privação de liberdade é a regra nesse modelo de “tratamento”, utilizando-se de algumas táticas para dificultar a saída dos pacientes, como a retenção de documentos e a falta de transporte em instituições isoladas dos perímetros urbanos. Em 16 CTs visitadas, foram identificadas práticas de castigo aos pacientes, como perda de refeições, violência física e aumento da laborterapia. A laborterapia é a utilização do trabalho como ferramenta de disciplina e costuma encobrir práticas comparáveis à escravidão. Para as equipes de inspeção, a adesão da laborterapia pelas CTs busca também “substituir a contratação de profissionais pelo uso de mão de obra dos internos - sem remuneração ou qualquer garantia trabalhista, em uma lógica de maximização do lucro”.

E não é apenas o Relatório da Inspeção Nacional em Comunidades Terapêuticas que evidencia as práticas desumanas e ilegais dessas instituições. É comum encontrar notícias, na mídia, de pessoas resgatadas dessas CTs após maus tratos e em situação análoga à escravidão. No DF, o último caso que recebeu mais notoriedade (até o momento da confecção deste texto) foi o da ONG Salve a Si. Além do caráter asilar-manicomial, de trabalho não remunerado e de ampla violação de direitos na Casa Maria de Magdala, CT feminina da Salve a Si, o presidente da ONG (Henrique França) confessou ter utilizado mão de obra das usuárias e dinheiro público para a construção da casa em que ele estava morando com a sua família.

Assim como a ONG Salve a Si, várias das comunidades terapêuticas recebem dinheiro público para a manutenção de suas atividades, como visto acima, muitas vezes violadoras dos direitos humanos. No DF, o financiamento das CTs via governo distrital é feito prioritariamente pelo Fundo Antidrogas do Distrito Federal (FUNPAD). Entre 2012 e 2021, houve um aumento de 694% no valor das verbas liberadas para as CTs pelo FUNPAD, passando de R$ 473.614,00 para R$ 3.289.164,00. Só em 2022, a ONG Salve a Si recebeu R$ 600.000,00 do FUNPAD. Ou seja, recursos públicos estão sendo utilizados para financiar instituições que agem na contramão da reforma psiquiátrica.

Este é um resumo do porquê queremos o fim das Comunidades Terapêuticas. Posteriormente, faremos um compilado de denúncias contra as CTs e registraremos aqui. De qualquer forma, no nosso perfil no Instagram (@saudemental.df), temos diversas postagens que contam um pouco mais sobre essas instituições que são manicômios da atualidade. Confira lá!

CFP, MNPCT & MP (2018) - Relatório da Inspeção Nacional em Comunidades Terapêuticas. https://site.cfp.org.br/publicacao/relatorio-da-inspecao-nacional-em-comunidades-terapeuticas/

Costa, P. H. A. da. (2023). Comunidades Terapêuticas no Distrito Federal: “controle” social e saqueio do fundo público. https://periodicoseletronicos.ufma.br/ index.php/rppublica/article/view/21849/11882

Ex-acolhidos e ex-funcionários denunciam irregularidades em ONG construída com dinheiro público do DF https://g1.globo.com/df/distrito-federal/noticia/2023/07/17/ex-acolhidos-e-ex-funcionarios-denunciam-irregularidades-em-ong-construida-com-dinheiro-publico-do-df.ghtml

RELATÓRIO DA INSPEÇÃO NACIONAL EM COMUNIDADES TERAPÊUTICAS

Imagem: Conselho Federal de Psicologia